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quarta-feira, 9 de abril de 2014

#3 Alguma Poesia

Tenho lido muitas coisas ao mesmo tempo, e em ritmo lento. Portanto, apesar de inciado há algumas semanas, apenas ontem terminei Alguma Poesia, o primeiro livro de Carlos Drummond de Andrade, publicado em 1930, quando tinha 28 anos. Obviamente já me eram conhecidos vários dos poemas contidos no livro - bem como são conhecidos de todos. Mas como continuar a conhecer apenas alguma poesia deste livro não era meu objetivo, o li na íntegra, procurando pela poesia dos outros poemas, e analisando-o como um todo.

Alguém já disse alguma vez que o primeiro livro do poeta geralmente é tudo o que ele fez de bom na sua vida até aquele momento, o que costuma me assustar, principalmente por ser aterradoramente verdadeiro. "Quer dizer que meu lifetime achievement é só isso?", costumo pensar sobre o que eu escrevi até hoje (porque sim, eu escrevo; quem não escreve, afinal?), e foi essa a pergunta óbvia e incômoda que eu fui calar, procurando saber se Drummond já era Drummond desde o início e, com isso, considerando se eu ainda podia manter as esperanças de me tornar Drummond, assim, de repente.

A resposta a que chego é que, em Alguma Poesia (lido em Carlos Drummond de Andrade - Poesia Completa, Nova Fronteira, 1599 páginas, mas que também está em catálogo, numa edição isolada, pela Companhia das Letras, cuja capa ilustra esse post), Drummond ainda não era Drummond, mas certamente era Drummond. Seus clássicos já estavam ali, sua serenidade e sua observação ímpar da vida cotidiana, sempre entre o rebelde e o conformado, um distanciamento sereno, de quem se sabe, no fundo, parte daquilo tudo. Há, certamente, alguns poemas não exatamente dignos dos seus anos mais maduros, pois o tempo certamente nos torna mais rigorosos, ainda mais para quem sempre teve um nível incomum. O interessante em ver as poesias menos insiradas, pelo menos para mim, é ter o conforto de poder dizer "eu acho que já fiz coisa melhor", ainda que sem qualquer convicção disso - na verdade meu primeiro pensamento é "eu não devo ter entendido isso"... 

Deixando de lado os possíveis e isolados poemas menores na obra, destaco o melhor poema não-tão-conhecido do livro (e, ainda assim, bastante conhecido) que mostra a maturidade precoce do poeta e o quão extraordinário foi seu início:


Também já fui brasileiro

Eu também já fui brasileiro
moreno como vocês.
Ponteei viola, guiei forde
e aprendi na mesa dos bares
que o nacionalismo é uma virtude.
Mas há uma hora em que os bares se fecham
e todas as virtudes se negam.
Eu também já fui poeta.
Bastava olhar para mulher,
pensava logo nas estrelas
e outros substantivos celestes.
Mas eram tantas, o céu tamanho,
minha poesia perturbou-se.
Eu também já tive meu ritmo.
Fazia isso, dizia aquilo.
E meus amigos me queriam,
meus inimigos me odiavam.
Eu irônico deslizava
satisfeito de ter meu ritmo.
Mas acabei confundindo tudo.
Hoje não deslizo mais não,
não sou irônico mais não,
não tenho ritmo mais não.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

#2 A Cura de Schopenhauer

O segundo livro do ano foi escolhido muito por acaso pela lista do Kindle. Já o havia visto algumas vezes nas prateleiras das livrarias, e havia me despertado a curiosidade, bem como Quando Nietzsche Chorou, do mesmo autor, Irvin D. Yalom. Apesar da curiosidade, havia algo nele que me fazia imaginá-lo um livro de autoajuda com um falso fundo intelectual, como ainda me soam livros com títulos como Kafka Para Sobrecarregados, Nietzsche Para Estressados, Oscar Wilde Para Inquietos e assim por diante, mas a leitura do prefácio e de algumas páginas do primeiro capítulo me fizeram tirar essa ideia da mente.

A Cura de Schopenhauer (Ediouro, 334 páginas, tradução de Beatriz Horta) é bem interessante: Yalom é reconhecido como experiente psicanalista e trata tanto do filósofo quanto das narrações das sessões de terapia no romance com bastante desenvoltura e propriedade. Como sempre tive curiosidade no campo da Psicologia e uma ainda maior no campo da Filosofia, a mistura me pareceu interessante, apesar de improvável: como assim um psicanalista de renome (certamente alter ego do escritor) descobre estar sofrendo de um melanoma agressivo, tem a estimativa de um ano de vida e reflete sobre sua existência - vida, morte e tudo o que há no meio - usando os ensinamentos de Arthur Schopenhauer? Logo Schopenhauer?

A estrutura do livro está longe de ser complexa, mas é bastante plural: há três personagens principais, e o narrador, apesar de ser sempre externo, focaliza cada um deles alternadamente, mostrando seus pensamentos; é contada, em paralelo, a história do filósofo polonês desde a infância até sua morte, e há também fragmentos de escritos seus no fim de cada capítulo, coerentes com a narrativa. O tom é leve, apesar de tudo. Deu pra entender bastante sobre como funciona uma análise - para um leigo, claro - pois descobri que o analista não fica desenhando pôneis na prancheta enquanto as pessoas desabafam. E o livro também me fez iniciar um aprofundamento na obra de Schopenhauer, já que minha leitura dele era bem básica, apesar de sempre ter sido produtiva.

Valeu a pena ter acompanhado o livro. A próxima leitura deverá ser algo bem diferente, talvez algo de fantasia para contrabalançar os estudos sobre Filosofia que pretendo iniciar - e que o livro incentivou bastante.

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

#1 O Chamado do Cuco



O primeiro livro do ano foi O Chamado do Cuco (Roberth Galbraith, Rocco, 447 págnas, tradução de Ryta Vinagre). Aqueles que acompanham as notícias sobre o mundo literário já devem saber que Robert Galbraith é apenas o pseudônimo da escritora mais rica da Inglaterra (e provavelmente do mundo) Joanne Kathleen Rowling, a famosa criadora da série Harry Potter. E justamente por ser a escritora mais rica da Inglaterra - e por ter uma obra que possivelmente ofuscaria qualquer trabalho posterior - seu estilo poderia continuar a ser negligenciado pela crítica por conta das comparações descabidas entre seus novos trabalhos e os livros da saga do bruxo mirim, como se percebe pela recepção morna de Morte Súbita. Daí nasceu Galbraith.

Talvez não tenha sido ele, ou talvez tenha. Mas tudo pareceu ter mudado. Apesar de o "novo" autor não ter recebido muitos holofotes da crítica, todas que apareceram foram bastante positivas. E eu soube que a Rocco comprou os direitos de editar a obra no Brasil antes de saber quem era a verdadeira autora, que confirmou a revelação a contragosto, pressionada por um jornalista. Uma coincidência, já que a Rocco também é a editora de Harry Potter, e uma sorte grande, pois depois da revelação, as vendas explodiram.

Eu mesmo só li O Chamado do Cuco por causa de J. K. Como eu não me empolguei com as resenhas que havia lido sobre Morte Súbita, não me arrisquei a ler a obra, mas o "efeito Galbraith" parece ter dado certo. Depois de tantas resenhas positivas, resolvi arriscar. E valeu a pena: leitura tranquila e fluida, uma trama policial contemporânea e que tem algo de relevante a dizer. Focada no detetive Cormoran Strike e em sua secretária Robin Ellacott, é uma história clássica de mistério, que tem como pano de fundo o mundo das celebridades dos dias atuais. J. K. Rowling, ao ser descoberta, revelou também que certamente Robert Galbraith preparava uma sequência para a série, "apesar de certamente continuar recusando aparições públicas". Tomara que seja verdade: os personagens principais são sólidos e promissores, mas não completamente desenvolvidos. Seria ótimo ver esse desenvolvimento nos próximos livros.